quarta-feira, 23 de setembro de 2009

A mansão, a paranoia e o dinheiro - Parte I



Numa cidadezinha do interior, escorado no parapeito de uma janela, eu observava um bando de pássaros que voava, em forma de V, em direção a uma caverna sombria e morna a algumas centenas de metros dali. O crepúsculo daquele fim de tarde, muito nublado e sombrio, era típico do começo de outono. Algumas poucas crianças brincavam na calçada esburacada, enquanto carros velhos passavam à minha frente, andando pela rua estreita. De vez em quando, algum conhecido meu me cumprimentava, e eu retribuía timidamente. Numa hora dessas, o telefone tocou, e, contrariado, fui atendê-lo. Era um tio distante, não hereditariamente, mas em termos de contato pessoal:

_Venha agora para a minha casa, Davi, eu preciso da sua ajuda. – e desligou.

Fui imediatamente. Esse meu tio, Fildo Bronco, vivia apenas com alguns criados num vilarejo um tanto afastado da cidade, e não tinha nenhum parente, a não ser eu. Velho e enfraquecido, estava sujeito a qualquer trapaça de sua saúde. Ele possuía algumas propriedades de valor considerável espalhadas pela região, e não vou negar que esse detalhe me atraía.

Já dentro do meu carro, saindo da região central da cidadela, uma chuva fininha começou a cair, logo seguida por alguns relâmpagos e trovões. O vento fraco contribuía ainda mais para a sensação de frio, e decidi fechar a janela do automóvel. Finalmente alcancei a rodovia, mais larga e mais bem conservada que as ruas da cidade. Pisei fundo no acelerador. Subindo alguns metros pela estrada, me deparei com um pouco de neblina, que foi aumentando cada vez mais à medida que eu avançava. Sensatamente, diminui a velocidade, embora estivesse consciente de que, dessa maneira, só chegaria à casa do meu tio quando já envolto pela escuridão da noite.

O restante da viagem transcorreu sem outros imprevistos. Gotas de chuva batiam fracamente no vidro do carro, e eram repelidas pelo para-brisa. As belas e imponentes árvores ao meu lado se erguiam imperiosas, e seu formato de cone conferia à paisagem um ar quase inspirador.

Finalmente, eu pude avistar, ao longe, a construção onde Fildo Bronco vivia. Era um velho sobrado de três andares, de aparência vetusta e respeitável. O edifício, todo feito de madeira muito resistente às intempéries do tempo, tinha muitas janelas, elegantemente altas e estreitas, todas idênticas e de vidro transparente e importado. Sob o luar, escondido entre as nuvens, ele assumia, aos olhos dos mais medrosos – como eu – um leve tom sombrio e assustador. Os relâmpagos, fazendo-se ver ao longe, por trás do sobrado, acentuavam essa sensação.

Segui com o carro por mais alguns metros até alcançar o portão de metal, pintado de negro, com quase seis metros de altura e pontudo no topo. O jardim mal-cuidado, com muito mato espalhado por toda a sua área, era, segundo os agricultores das redondezas, infestado por cobras. Um criado, ao ver que eu esperava em frente ao portão, veio abri-lo com palavras calorosas de boas-vindas. Mas eu percebia que ele, na verdade, tentava esconder alguma coisa. Seus gestos afetavam agitação, e um sentimento estranho perpassou o meu espírito após uma análise mais cuidadosa: havia um pequeno corte exatamente sobre o queixo, mal-escondido por um curativo discreto. Como não era possível seguir adiante com o automóvel após o portão, estacionei-o do lado de fora e continuei a pé, andando ao lado do criado.

Após dar alguns passos, cuidadoso por causa das cobras, em meio ao jardim sujo e cheio de barro, o criado começou:

_O Sr. Bronco tem estado estranho esses últimos dias, seu Davi. Não sei o que está acontecendo com ele... Talvez seja a solidão que ele vive dentro desse sobrado de doze quartos! Apenas três meros criados não servem pra nada... Eu sinceramente não sei o que fazer. Agora há pouco, por exemplo, eu fui falar com ele na biblioteca e ele me atacou! Veja o meu queixo!

_Eu vou falar com ele, não se preocupe. O tio Fildo sempre teve um carinho especial por mim...