terça-feira, 11 de outubro de 2011

Estranhezas oníricas


Sentia-me pelado. Ou melhor, não me sentia pelado, eu estava literalmente pelado. Era esquisito. Estava num shopping, parece. As pessoas nem pareciam estranhar, comportavam-se com naturalidade, quase como se eu não estivesse lá. Aliás, pareciam estar acostumadas a fazer isso. A ignorar. Era bem fácil fazê-lo, se quisessem. Mais simples do que tentar buscar uma solução, ou, como diz o bom e velho clichê, “encarar o problema de frente”. Como se o problema tivesse olhos para ser encarado... Mas dessa vez, parecia ser algo elevado ao seu cúmulo... Um homem nu no auge de sua feiúra no meio de um lugar tido como seguro, tranquilo e bem frequentado, cheio de famílias com suas criancinhas inocentes, não parecia algo que certos tipos gostariam de ignorar... E se eu de fato fosse invisível?
“Não, não é isso”, pensei comigo mesmo dentro do meu sonho, sem obviamente saber que era um sonho. “Isso parece algum tipo de competição, talvez eu deva achar uma roupa para vestir, e se eu conseguir isso antes dos outros, eu ganho”. Ganho o quê, o direito de voltar para o mundo real? Não, não me parecia ser isso, não poderia ganhar algo que o meu eu onírico não sabia que existia, um mundo mais real, mais verossímil e menos louco, pelo menos à primeira vista. É, porque quando você realmente acha que conhece o mundo real, percebe que ele não faz mais sentido do que um sonho qualquer. Aliás, o “fazer sentido” é sempre uma coisa relativa, depende do humor...
Se realmente o objetivo daquela loucura de sonho era achar uma roupa para vestir, não seria muito difícil vencê-la. Afinal de contas, estava num shopping. O que mais havia ali eram roupas, caras e desnecessárias. Não naquele momento, em que elas eram tudo o que eu queria. Mas elas eram caras. Portanto, para tê-las, era preciso dinheiro. Procurei nos bolsos que não tinha, na carteira que não carregava comigo, e não foi muito difícil chegar à conclusão de que eu não tinha nada. Teria que roubar... Coisa amoral, decerto, mas por vezes estritamente necessária. Aquela era uma daquelas vezes, meu eu onírico pensou.
Subi correndo uma escada rolante. Sabia que havia uma loja de departamentos no terceiro andar famosa por sua segurança relapsa. Se ninguém notasse que eu havia entrado pelado e saído vestido, tudo acabaria bem, como deveria ser, como haveria de ser, pelos sete deuses novos de Westeros...
Ali estava ela, uma loja que mais parecia um galpão, enorme nas três dimensões, assustadora em sua variedade, indo de bolinhas de pingue-pongue e fraldas (infantis e senis) a compressores de ar para inflar balões e apoio para copos. “Atiramos para todos os lados”, este deveria ser o slogan. Mas não, aquilo era uma herança da Segunda Guerra Mundial, de repente me lembrei do que aprendera na escola. Agora no mundo real. As mulheres passaram a trabalhar dentro e fora de casa, e tinham que encontrar tudo o que precisavam comprar num lugar só, por pura falta de tempo. Tudo bem, saber isso era de fato inútil, mas era um ótimo tópico para se iniciar uma conversa, ou reanimá-la, haveria de usar aquilo mais tarde, algum dia...
Estamos de volta à loja de departamentos. Entrei da mesma forma de estava andando pelo shopping, normalmente. Ninguém parecia notar minha presença mais do que o normal. No fundo da loja, pouco frequentado, encontrei umas roupas de má qualidade, que poderia vestir escondido atrás do suporte delas, grande o suficiente para me abrigar. Peguei uma calça, que era por onde deveria começar, segundo o raciocínio do meu eu onírico. Ou melhor, pensei ter pegado uma calça, porque quando olhei para minha mão, ela havia desaparecido! “Estranho, isso”, pensei, e logo depois tentei pegar outra peça, que também desapareceu. “Será que isso é contra as regras desse joguinho imbecil?”. Deveria ser. Mas contra as regras da boa educação, mesmo nos sonhos mais estranhos, era... bom... fazer no chão, ainda mais quando já se está pelado. Precisava de um banheiro. Imediatamente.
Foi o que fiz. Procurei um banheiro. Encontrei-o. No esforço do ato, posso ter me agitado demais, e entrei naquele limiar entre o sonho e a realidade. Estava quase acordando. Poderia voltar ao sonho, se quisesse, e continuar na competição... mas não.
Deixei o meu eu onírico ali nu no meio do banheiro mesmo. O meu avatar que se virasse sozinho sem mim, no mundo dos sonhos.