sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Secas rima com três. Ou será que não?

A leitura é uma coisa sempre surpreendente. Não importa se você está lendo o manual de um pen drive (que nem sei se tem manual, na verdade) ou uma obra prima de um autor respeitadíssimo, sempre se descobre algo novo. As descobertas podem envolver desde que ler o manual de um pen drive é uma atividade extremamente maçante e desnecessária, até que os autores clássicos podem não ser tão chatos e pomposos assim. E das figuras mais fortemente caracterizadas como traças de livro em forma humana da sociedade contemporânea, as bibliotecárias (numa avaliação bastante imparcial e não-estereotipada, geralmente mulheres, solteironas, que moram sozinhas numa casa cheia de gatos raquíticos) com certeza fazem parte desta lista. Mas, como disse um alguém qualquer, a vida é cheia de decepções. Acho que fui eu quem disse isso, deve ter sido...        
            Como eu ia dizendo, para não perder o fio da meada desse devaneio em meio a outros devaneios não-relacionados, tive uma decepção com uma bibliotecária. Felizmente para mim, não uma decepção amorosa, mas conceitual. Ora, por definição, bibliotecária é uma profissão que exige, acima de quaisquer capacidades de interação social (evidentemente desnecessárias, e, diria eu, até inexistentes nesse ramo) um conhecimento sobre os livros que a rodeiam dia após dia. Da mesma forma que um índio que se preze deve conhecer minimamente as propriedades medicinais, organolépticas e alucinógenas das plantas que normalmente existem em volta de sua oca, uma pessoa (entenda-se, uma mulher) rodeada de livros deve conhecer livros. Vou imitar Brás Cubas e pedir pra você ter calma, querido leitor ou leitora, já vou chegar aos fatos, de fato. Só não pretendo fazê-lo quando já estiver morto. Melhor começar logo, então.
            Como costumo demonstrar, eu gosto de ler. E geralmente gosto de pessoas que gostam de ler, e desprezo ou ignoro esse fato nas pessoas que não gostam. Numa biblioteca qualquer, cujo nome não será aqui pronunciado, a fim de evitar um processo (pelo menos enquanto cuido dos futuros problemas legais que terei com a Associação dos Bibliotecários de Minas Gerais), fui pegar um livro do meu autor nordestino preferido, Graciliano Ramos. Era o Vidas Secas, já ouviu falar? Se já, muito bem, eu gosto de você. Senão... melhor deixar pra lá.
            Enfim, cheguei ao balcão, de mármore e frio, como a cara das bibliotecárias (desculpa, ABMG!), e disse:
            _Eu quero o Vidas Secas.
            A bibliotecária, uma figura quase alta e a mais magra que eu já vi na minha vida, visto que nunca presenciei uma Fashion Week, com braços da grossura, ou melhor, da finura de um graveto, pareceu entender, e foi ao fundo da biblioteca pegar o tal livro.
            Como sempre, demorou alguns minutos para ela voltar, com aquele andar apático típico das bibliotecárias, com um livro na mão. Um livro enorme, na verdade. “Nossa, achava que Vidas Secas era menor do que uma bacia de pipoca!”. Pobre de mim. Quando olho para a capa e vejo uma girafa, imaginando que a história do livro se passa no sertão nordestino e que no sertão nordestino não há girafas, percebi que havia algo errado. Não era o Vidas Secas que eu tinha ali em minhas mãos, mas um livro didático de Biologia, por sinal muito bom, chamado Vida: Volume Três. Agora deu pra entender o título, né? Pois é, “secas” rima com “três”. Pelo menos eu acho. Quero dizer, talvez eu tenha um ou outro problema fonoaudiológico, ou de dicção, sei lá, mas prefiro pensar que realmente a pobre bibliotecária foi levada pelo seu subconsciente a pensar que era aquele o livro que eu havia requisitado.
            Da próxima vez, vou me certificar de dizer que o autor é Graciliano Ramos. E torcer pra ele não ter escrito nenhum livro de Biologia.

            P.T. 1: Se você é filho de uma bibliotecária, desde já peço desculpas. Mas que você deve ser adotado, ah, isso deve!
            PT. 2: PT significa, neste contexto, post typed, não o partido do Lula.