quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

A Rebelião dos Ratos - Parte 1


Falava através de uma grade. Do outro lado, alguém estava encolhido num canto, quase imóvel, mas grunhindo de dor, talvez até chorando. Parecia ignorar a pessoa lá fora, reduzido egocentricamente ao seu sofrimento. Mesmo assim, o liberto insistia, tentando convencê-lo, tentando dobrar suas convicções, sua teimosia cega. Apesar de, muitas vezes, os mais cegos serem também os mais sábios.  
            A pessoa continuava a gemer. A outra continuava a falar:
            _Você tem que parar com essa história louca... Essa tal rebelião de que você fala não existe! Admita isso logo, ou vou ter que falar que você ficou louco. Antes um hospício que essa cela horrível!
            Um murmúrio próximo dos limites da audição veio do canto onde o homem estava deitado. O engravatado fora da cela teve que se inclinar em direção ao som para conseguir entendê-lo. Um som cheio de pesar, mágoa e algo próximo da tristeza.
            _Você sabe que é verdade, Aldo. Você sabe, você também viu o que eu vi! – Estava quase gritando agora.
            _Eu não sei do que você está falando. E se você não tirar essa ideia da sua cabeça logo, vai apodrecer aí dentro.
            _Você não pode negar que não viu... eu não estou louco, você sabe disso. Por que você nega ter visto o que viu? – sussurrou o encarcerado, com um ar sombrio.
            _Eu nego, e estou aqui fora. Você admite, e está aí dentro. A diferença é simples. Só estou sendo pragmático.
            _Você está mentindo, é essa a diferença.
            _E estou aqui fora. – replicou o engravatado, com um simulacro de risada quase sádica. – Outra diferença.
            Um muxoxo de irritação veio do outro lado da sala. De nada adiantaria declarar aquilo sozinho, por conta própria, sem apoio. Facilitava a perseguição. Pior: facilitava a manipulação. As pessoas lá fora realmente estavam em polvorosa, lia-se em todos os jornais, via-se em todas as televisões, falava-se em todas as esquinas e fofocava-se em todos os bares. Mas não exatamente sobre o que ele queria: falavam que Haroldo Murev era um louco, dos grandes. Era o que o governo queria que pensassem; era isso que pensavam. Por enquanto.
            Não tinha um plano. Suas costas doíam. Sua cabeça estava a ponto de estourar. Estava com fome; aparentemente era essa a intenção dos carcereiros. Há dois dias não traziam comida. Havia uma bacia de água no outro canto, de procedência bastante duvidosa. Arriscava-se apenas a beber quanto não agüentava mais. Morrer de diarreia seria realmente trágico, humilhante e levemente sem graça.
            Estava refletindo sobre tudo isso quando o engravatado recomeçou a falar. Ele ainda estava ali, discreto, invisível, sem ser incomodado.
            _Olha, essa é a sua última chance: você vai continuar a insistir nessa ideia de rebelião ou vai continuar aí dentro pelo resto da sua vida?
            _Não há rebelião nenhuma. Eu admito. Estava bêbado quando falei aquilo. 

FIM DA PARTE 1

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Estranhezas oníricas


Sentia-me pelado. Ou melhor, não me sentia pelado, eu estava literalmente pelado. Era esquisito. Estava num shopping, parece. As pessoas nem pareciam estranhar, comportavam-se com naturalidade, quase como se eu não estivesse lá. Aliás, pareciam estar acostumadas a fazer isso. A ignorar. Era bem fácil fazê-lo, se quisessem. Mais simples do que tentar buscar uma solução, ou, como diz o bom e velho clichê, “encarar o problema de frente”. Como se o problema tivesse olhos para ser encarado... Mas dessa vez, parecia ser algo elevado ao seu cúmulo... Um homem nu no auge de sua feiúra no meio de um lugar tido como seguro, tranquilo e bem frequentado, cheio de famílias com suas criancinhas inocentes, não parecia algo que certos tipos gostariam de ignorar... E se eu de fato fosse invisível?
“Não, não é isso”, pensei comigo mesmo dentro do meu sonho, sem obviamente saber que era um sonho. “Isso parece algum tipo de competição, talvez eu deva achar uma roupa para vestir, e se eu conseguir isso antes dos outros, eu ganho”. Ganho o quê, o direito de voltar para o mundo real? Não, não me parecia ser isso, não poderia ganhar algo que o meu eu onírico não sabia que existia, um mundo mais real, mais verossímil e menos louco, pelo menos à primeira vista. É, porque quando você realmente acha que conhece o mundo real, percebe que ele não faz mais sentido do que um sonho qualquer. Aliás, o “fazer sentido” é sempre uma coisa relativa, depende do humor...
Se realmente o objetivo daquela loucura de sonho era achar uma roupa para vestir, não seria muito difícil vencê-la. Afinal de contas, estava num shopping. O que mais havia ali eram roupas, caras e desnecessárias. Não naquele momento, em que elas eram tudo o que eu queria. Mas elas eram caras. Portanto, para tê-las, era preciso dinheiro. Procurei nos bolsos que não tinha, na carteira que não carregava comigo, e não foi muito difícil chegar à conclusão de que eu não tinha nada. Teria que roubar... Coisa amoral, decerto, mas por vezes estritamente necessária. Aquela era uma daquelas vezes, meu eu onírico pensou.
Subi correndo uma escada rolante. Sabia que havia uma loja de departamentos no terceiro andar famosa por sua segurança relapsa. Se ninguém notasse que eu havia entrado pelado e saído vestido, tudo acabaria bem, como deveria ser, como haveria de ser, pelos sete deuses novos de Westeros...
Ali estava ela, uma loja que mais parecia um galpão, enorme nas três dimensões, assustadora em sua variedade, indo de bolinhas de pingue-pongue e fraldas (infantis e senis) a compressores de ar para inflar balões e apoio para copos. “Atiramos para todos os lados”, este deveria ser o slogan. Mas não, aquilo era uma herança da Segunda Guerra Mundial, de repente me lembrei do que aprendera na escola. Agora no mundo real. As mulheres passaram a trabalhar dentro e fora de casa, e tinham que encontrar tudo o que precisavam comprar num lugar só, por pura falta de tempo. Tudo bem, saber isso era de fato inútil, mas era um ótimo tópico para se iniciar uma conversa, ou reanimá-la, haveria de usar aquilo mais tarde, algum dia...
Estamos de volta à loja de departamentos. Entrei da mesma forma de estava andando pelo shopping, normalmente. Ninguém parecia notar minha presença mais do que o normal. No fundo da loja, pouco frequentado, encontrei umas roupas de má qualidade, que poderia vestir escondido atrás do suporte delas, grande o suficiente para me abrigar. Peguei uma calça, que era por onde deveria começar, segundo o raciocínio do meu eu onírico. Ou melhor, pensei ter pegado uma calça, porque quando olhei para minha mão, ela havia desaparecido! “Estranho, isso”, pensei, e logo depois tentei pegar outra peça, que também desapareceu. “Será que isso é contra as regras desse joguinho imbecil?”. Deveria ser. Mas contra as regras da boa educação, mesmo nos sonhos mais estranhos, era... bom... fazer no chão, ainda mais quando já se está pelado. Precisava de um banheiro. Imediatamente.
Foi o que fiz. Procurei um banheiro. Encontrei-o. No esforço do ato, posso ter me agitado demais, e entrei naquele limiar entre o sonho e a realidade. Estava quase acordando. Poderia voltar ao sonho, se quisesse, e continuar na competição... mas não.
Deixei o meu eu onírico ali nu no meio do banheiro mesmo. O meu avatar que se virasse sozinho sem mim, no mundo dos sonhos.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Secas rima com três. Ou será que não?

A leitura é uma coisa sempre surpreendente. Não importa se você está lendo o manual de um pen drive (que nem sei se tem manual, na verdade) ou uma obra prima de um autor respeitadíssimo, sempre se descobre algo novo. As descobertas podem envolver desde que ler o manual de um pen drive é uma atividade extremamente maçante e desnecessária, até que os autores clássicos podem não ser tão chatos e pomposos assim. E das figuras mais fortemente caracterizadas como traças de livro em forma humana da sociedade contemporânea, as bibliotecárias (numa avaliação bastante imparcial e não-estereotipada, geralmente mulheres, solteironas, que moram sozinhas numa casa cheia de gatos raquíticos) com certeza fazem parte desta lista. Mas, como disse um alguém qualquer, a vida é cheia de decepções. Acho que fui eu quem disse isso, deve ter sido...        
            Como eu ia dizendo, para não perder o fio da meada desse devaneio em meio a outros devaneios não-relacionados, tive uma decepção com uma bibliotecária. Felizmente para mim, não uma decepção amorosa, mas conceitual. Ora, por definição, bibliotecária é uma profissão que exige, acima de quaisquer capacidades de interação social (evidentemente desnecessárias, e, diria eu, até inexistentes nesse ramo) um conhecimento sobre os livros que a rodeiam dia após dia. Da mesma forma que um índio que se preze deve conhecer minimamente as propriedades medicinais, organolépticas e alucinógenas das plantas que normalmente existem em volta de sua oca, uma pessoa (entenda-se, uma mulher) rodeada de livros deve conhecer livros. Vou imitar Brás Cubas e pedir pra você ter calma, querido leitor ou leitora, já vou chegar aos fatos, de fato. Só não pretendo fazê-lo quando já estiver morto. Melhor começar logo, então.
            Como costumo demonstrar, eu gosto de ler. E geralmente gosto de pessoas que gostam de ler, e desprezo ou ignoro esse fato nas pessoas que não gostam. Numa biblioteca qualquer, cujo nome não será aqui pronunciado, a fim de evitar um processo (pelo menos enquanto cuido dos futuros problemas legais que terei com a Associação dos Bibliotecários de Minas Gerais), fui pegar um livro do meu autor nordestino preferido, Graciliano Ramos. Era o Vidas Secas, já ouviu falar? Se já, muito bem, eu gosto de você. Senão... melhor deixar pra lá.
            Enfim, cheguei ao balcão, de mármore e frio, como a cara das bibliotecárias (desculpa, ABMG!), e disse:
            _Eu quero o Vidas Secas.
            A bibliotecária, uma figura quase alta e a mais magra que eu já vi na minha vida, visto que nunca presenciei uma Fashion Week, com braços da grossura, ou melhor, da finura de um graveto, pareceu entender, e foi ao fundo da biblioteca pegar o tal livro.
            Como sempre, demorou alguns minutos para ela voltar, com aquele andar apático típico das bibliotecárias, com um livro na mão. Um livro enorme, na verdade. “Nossa, achava que Vidas Secas era menor do que uma bacia de pipoca!”. Pobre de mim. Quando olho para a capa e vejo uma girafa, imaginando que a história do livro se passa no sertão nordestino e que no sertão nordestino não há girafas, percebi que havia algo errado. Não era o Vidas Secas que eu tinha ali em minhas mãos, mas um livro didático de Biologia, por sinal muito bom, chamado Vida: Volume Três. Agora deu pra entender o título, né? Pois é, “secas” rima com “três”. Pelo menos eu acho. Quero dizer, talvez eu tenha um ou outro problema fonoaudiológico, ou de dicção, sei lá, mas prefiro pensar que realmente a pobre bibliotecária foi levada pelo seu subconsciente a pensar que era aquele o livro que eu havia requisitado.
            Da próxima vez, vou me certificar de dizer que o autor é Graciliano Ramos. E torcer pra ele não ter escrito nenhum livro de Biologia.

            P.T. 1: Se você é filho de uma bibliotecária, desde já peço desculpas. Mas que você deve ser adotado, ah, isso deve!
            PT. 2: PT significa, neste contexto, post typed, não o partido do Lula.
                        

sexta-feira, 22 de julho de 2011

De óculos e espelhos, todo mundo entende um pouco

          Era uma sexta-feira, férias de julho (chamam assim por pura convenção, mas meros quinze dias não mereciam nomenclatura tão nobre), sem perspectivas de uma viagem decente. Tinha que ir comprar meus óculos novos, meio grau acima do antigo, coisa que faz uma diferença... Queria uma cor nova, um preto, talvez, discreto, mas elegante e jovial. Não muito caro, lentes boas, anti-reflexo, relativamente durável, o suficiente para me deixar com cara de intelectual, superior, como de fato era, mas não antipático. Com isso em mente, resolvi ir a duas óticas, de perfis completamente diferentes, no centro da cidade mesmo.
            A primeira delas era mais ou menos grande, com laboratório próprio, o que reduzia o prazo de entrega de dois dias para duas horas. Tudo era muito branco, muito brilhante, muito limpo. Espelhos por todos os lados, cartazes de modelos, desconhecidas ou não, aqui e ali. O vendedor? Provavelmente o melhor que já vi nesses meus curtos anos de vida humana. Falava muito, e rápido, tinha conteúdo, respondia tudo, até mesmo perguntas não feitas, era convincente, diminuía o preço a todo o tempo, conseguia mentir elogiosamente bem. Na soma dos senões, tudo saía por 900 reais. Era pra ser 1100, disse ele. OK. Fui à outra ótica.
            Esta, em contraste, era pequena, acanhada. Um só andar, apenas dois cômodos (um deles devia ser um pequeno depósito, mas não tenho certeza, não entrei lá), sem laboratório próprio, óbvio. O número de óculos também era bem menor, dispostos num único balcão contínuo de vidro, que contornava dois lados da loja. O único vendedor, também o dono, era um homem de seus sessenta anos, extremamente simpático, sorridente, atencioso, tradicional. Quando uma mulher entrou perguntando se ele tinha lentes de contato, ele respondeu, com outro sorriso: “Não, não trabalhamos com lente de contato.”. Na primeira pessoa do plural, muito embora fosse só ele ali. Lembro também dele ter repreendido, de longe, uma mulher que preferiu desviar-se do caminho de um cego a ajudá-lo a atravessar a rua. Enfim. Tudo deu 700 reais. Mais barato do que a primeira até. Mas saí com a impressão que não era a mesma coisa, que os outros óculos eram melhores. Saí também com a impressão de que eu era um vil traidor. Condenando um pobre e honrado homem à falência, às garras ferozes e imperdoáveis da concorrência. Não de preço. Mas de aparência.
            Hoje, enquanto escrevo esta crônica, se assim merece ser chamado este texto, tento arranjar tempo para ir comprar meus óculos novos. Na ótica legal, é claro.  

sexta-feira, 15 de julho de 2011

O LIVRO QUE (QUASE) MUDOU A MINHA VIDA



Texto feito em fevereiro de 2011 para um trabalho de Redação da Professora Cleide Simões - 3º ano - Colégio Santo Antônio - Belo Horizonte - Minas Gerais

Como começar um texto sobre algo tão importante e determinante para a minha vida, direta ou indiretamente, e que envolve inúmeras e complicadas reviravoltas, destinado a alguém que nada sabe sobre ela? Visivelmente, decidi começar com uma pergunta retórica. Ou nem tanto.
Para ser inteiramente completo e claro a esse respeito, teria que citar vários episódios e situações que finalmente me compeliram a ler o tal livro que, evidentemente, não caberiam em 40 linhas. Por isso, tentarei ser o mais breve possível.
Tudo começou numa tarde de domingo (mentira, eu nem lembro), no final de 2001. Havia acabado de sair do cinema com meus pais e meu irmão, após assistir a um filme que, sem dúvida, iria marcar a minha vida. Era Harry Potter e a Pedra Filosofal.
Eu tinha oito anos de idade na época e ficara encantado com todo aquele mundo mágico. Não tive dúvidas: fui à livraria daquele pequeno shopping mesmo e comprei o segundo livro da série. Comecei a lê-lo imediatamente, motivado pela leitura como nunca antes.
Lembro perfeitamente que não passei da página sessenta. Pelo jeito, o gosto pela leitura não seria algo assim tão fácil de adquirir. Como gostar de algo em preto e branco, estático e, pior, que requeria um considerável esforço mental?
Após essa grande decepção, fiquei mais uns dois anos sem ler nenhum livro por conta própria que não tivesse ilustrações ou letras grandes. Não me recordo com exatidão quando comprei o livro que, de fato e de direito, me transformaria num verdadeiro leitor. Provavelmente logo após o terceiro filme da saga ser lançado, uma vez que foi o quarto livro, Harry Potter e o Cálice de Fogo, que definitivamente mudou a minha vida.
Dessa vez, já um pouco mais “velho” (dez ou onze anos), consegui terminar o livro. Não conseguia parar. Na verdade, por vezes tive que retardar um pouco a leitura para que o livro demorasse mais para acabar. Agora sim, eu havia aprendido não a ler, mas a gostar de fazê-lo.
O importante aqui não é o conteúdo nem as mensagens do livro em si. O importante é que, depois daquele dia, eu não era apenas mais um brasileiro, que lê dois livros por ano (via de regra, uma disfarçada auto-ajuda do Paulo Coelho e a Bíblia). Uns seis anos depois de O Cálice de Fogo, tenho mais de 120 livros comprados e lidos e outros tantos emprestados, entre eles grandes clássicos da literatura brasileira e mundial.
Não fosse por Harry Potter, hoje estaria lendo Crepúsculo.



domingo, 3 de julho de 2011

PRENCONCEITO LINGUÍSTICO – O QUE É, COMO SE FAZ, de Marcos Bagno

O livro “Preconceito Linguístico”, de Marcos Bagno, já começa, nas suas primeiras linhas, com o que pretende defender ao longo de toda a obra: “só existe língua se houver seres humanos que a falem” e “o ser humano é um animal político”. A partir apenas dessas duas frases, poder-se-ia fazer um pequeno resumo das ideias de Marcos Bagno: todo ser humano é um falante natural e devidamente competente de sua própria língua, e os chamados “erros de português”, que ele também critica, são puramente uma invenção política.
Na opinião de Marcos Bagno, “O preconceito linguístico está ligado [...] à confusão que foi criada [...] entre língua e gramática normativa.”. A partir daí, o autor vai enumerando e desconstruindo oito mitos existentes com relação ao português, de maneira geral.
“Mito nº 1 – ‘O português do Brasil apresenta uma unidade surpreendente’”: segundo Marcos Bagno, é o mais grave de todos, por estar tão enraizado na mentalidade brasileira, que até “boas observadoras dos fenômenos sociais brasileiros, se deixam enganar por ele.”, antes de citar Darcy Ribeiro como uma destas pessoas. O problema deste mito consiste no fato de que, “ao não reconhecer a verdadeira diversidade do português falado no Brasil, a escola tenta impor sua norma linguística como se ela fosse, de fato, a língua comum a todos os quase 190 milhões de brasileiros (...)”. Para o autor, não existe língua no mundo totalmente uniforme e homogênea, e esta diversidade, no Brasil, decorre, principalmente, não só da extensão territorial, mas da “trágica injustiça social”. Ele continua: “Como a educação de qualidade ainda é privilégio de muito pouca gente em nosso país, uma quantidade gigantesca de brasileiros permanece à margem do domínio das formas prestigiadas de uso da língua.”. Para Marcos Bagno, a conseqüência disto é que muitos brasileiros deixam de usufruir de serviços essências que são direito deles devido à barreira imposta pela “linguagem empregada pelos órgãos públicos”.
“Mito nº 2 – ‘Brasileiro não sabe português/ Só em Portugal se fala bem português’”: na opinião do autor, este mito é originado do “sentimento de sermos até hoje uma colônia dependente de um país mais antigo e mais ‘civilizado’.”. A partir daí, Marcos Bagno enumera algumas das muitas diferenças entre o português do Brasil e o de Portugal. Para o autor, “As regras gramaticais consideradas ‘certas’ são aquelas usadas pelos ‘falantes cultos’ de lá, que servem para a língua falada lá, que retratam a língua que os portugueses falam.”. Ou seja, as regras do português de Portugal não servem, necessariamente, ao português brasileiro. No final do capítulo, Marcos Bagno usa a obra Emília no País da Gramática, de Monteiro Lobato, para representas a figura do “gramático autoritário e intolerante” ridicularizado por Lobato.
“Mito nº 3 – ‘Português é muito difícil’”: na opinião de Marcos Bagno, “Como o nosso ensino da língua sempre se baseou na norma gramatical literária de Portugal, as regras que aprendemos na escola em boa parte não correspondem à língua que realmente falamos e escrevemos no Brasil.”. Novamente, o autor repete sua máxima: “Todo falante nativo de uma língua sabe essa língua.”. Porém, como “o ensino tradicional da língua no Brasil não leva em conta o uso brasileiro do português”, regras que não são mais seguidas por praticamente nenhum falante continuam sendo ensinadas nas escolas. Por fim para Marcos Bagno, “a ideia de que ‘português é muito difícil’ serve como mais um dos instrumentos de manutenção do status quo das classes sociais privilegiadas.”. Saber português não é decorar uma nomenclatura confusa e, na prática, inútil.
“Mito nº 4 – ‘As pessoas sem instrução falam tudo errado’”: Marcos Bagno busca explicações científicas e históricas para, por exemplo, a transformação do L em R nos encontros consonantais, como em Cráudia, ao afirmar que tal transformação já ocorreu em outras palavras, hoje usadas naturalmente e consideradas “certas”, como cravo, escravo e fraco.  Ou seja, “o fenômeno que existe no português estigmatizado é o mesmo que aconteceu na história do português prestigiado, e tem até um nome técnico: rotacismo.”. Além disso, Marcos Bagno também cita o preconceito contra a fala de determinadas classes sociais, usando como exemplo o modo como a fala nordestina é retratada nas novelas de televisão.
“Mito nº 5 – ‘O lugar onde melhor se fala português no Brasil é o Maranhão’”: segundo Marcos Bagno, “Esse mito nasceu, mais uma vez, da velha subserviência em relação ao português de Portugal.”. Isso porque, no Maranhão, ainda se usa, com regularidade, o pronome tu seguido das formas verbais clássicas, enquanto que, na maior parte do Brasil, houve uma reorganização do sistema pronominal, com o tu sendo substituído por você. Porém, Marcos Bagno ainda indica alguns erros cometidos por esses mesmos maranhenses, provando a inconsistência deste mito. O autor concluir: “É preciso abandonar essa ânsia de tentar atribuir a um único local ou a uma única comunidade de falantes o ‘melhor’ ou o ‘pior’ português e passar a respeitar todas as variedades da língua, que constituem um tesouro precioso de nossa cultura.”.
“Mito nº 6 – ‘O certo é falar assim porque se escreve assim’”: Marcos Bagno começa exemplificando o fenômeno da “(...) variação, isto é, nenhuma língua é falada do mesmo jeito em todos os lugares (...)”. A partir daí, discute “(...) uma tendência (mais um preconceito!) muito forte no ensino da língua de querer obrigar o aluno a pronunciar ‘do jeito que se escreve’, como se fosse a única maneira ‘certa’ de falar português.”. Além disso, a escrita é apenas “(...) uma tentativa de reprodução [...] porque sabemos que não existe nenhuma ortografia em nenhuma língua do mundo que consiga reproduzir a fala com fidelidade.”.  Além disso, a escrita não dá conta de todos os fenômenos prosódicos, e “(...) a ortografia sempre é fixada segundo critérios bastante diversos, quase nunca rigorosos do ponto de vista de uma representação mais lógica e sistemática.”.
“Mito nº 7 – ‘É preciso saber gramática para falar e escrever bem’”: Marcos Bagno dá exemplos quase incontestáveis para desconstruir esse mito: “Afinal, se fosse assim, todos os gramáticos seriam grandes escritores (o que está longe de ser verdade), e os bons escritores seriam especialistas em gramática.”. O autor continua: “Ora, os escritores são os primeiros a dizer que gramática não é com eles!”, e dá exemplo de grandes escritores brasileiros, como Rubem Braga, Carlos Drummond de Andrade e Machado de Assis que admitiram não entender nada da área. Marcos Bagno conclui dizendo que “(...) é infinitamente mais útil e relevante ensinar alguém a tirar proveito de uma oração subordinada substantiva objetiva direta reduzida de infinitivo na construção de um bom texto do que fazer essa pessoa decorar esses nomes todos (...)”. Ou seja, “(...) é infinitamente mais útil e relevante aprender a usar a língua e não aprender sobre a língua.”.
“Mito nº 8 – ‘O domínio da norma-padrão é um instrumento de ascensão social’”: assim como o mito nº 1, este tem muito a ver com questões sociais. Marcos Bagno começa argumentando, com certa ironia: “(...) se o domínio da norma-padrão fosse realmente um instrumento de ascensão na sociedade, os professores de português ocupariam o topo na pirâmide social, econômica e política do país (...)”. Em contrapartida, pode haver um fazendeiro milionário e analfabeto, diz ele. “Achar que basta ensinar a norma-padrão a uma criança pobre para que ela ‘suba na vida’ é o mesmo que achar que é preciso aumentar o número de policiais na rua e de vagas nas penitenciárias para resolver o problema da violência urbana.”. Ou seja, a questão da desigualdade social está ligada a muitos outros fatores que não o conhecimento da norma-padrão da língua (cor, classe social, sexo, origem geográfica), e não é necessariamente determinante para a tal “ascensão social”.
O círculo vicioso do preconceito linguístico”: é o responsável pela transmissão e perpetuação do preconceito linguístico. É composto pela gramática tradicional, os métodos tradicionais de ensino e os livros didáticos. Entre eles, há um quarto elemento, que Marcos Bagno chama de comandos paragramaticais. A partir daí, Bagno passa a criticar os autores desse tipo de obra, evidenciando pontos em que há explícito preconceito contra aquelas pessoas que não seguem a gramática normativa.
Depois disso, Marcos Bagno sugere maneiras de desconstruir o preconceito linguístico, enumerando três problemas básicos: a grande quantidade de analfabetos no Brasil, o fato de a maioria das pessoas plenamente alfabetizadas não cultivarem nem desenvolverem suas habilidades linguísticas e a nebulosidade que gira em torno do termo norma-padrão. Ou seja, a língua considerada “certa” pela gramática nem sempre é a predominante na fala e na escrita da parcela mais culta da população, chamada por Marcos Bagno de variedades urbanas de prestígio. Portanto, há visível distinção entre o ideal (ditado pela gramática normativa) do real (a verdadeira língua falada e escrita pelas classes privilegiadas do Brasil).      
Marcos Bagno também clama por uma mudança de atitude, que seria uma maior investigação da língua real falada pelos brasileiros. “A língua é viva, dinâmica, está em constante movimento – toda língua vida é uma língua em decomposição e em recomposição, em permanente transformação.”.
Para o autor, o ensino de português está formando professores, não necessariamente usuários competentes da escrita mais monitorada. Ou seja, “O ensino da gramática normativa mais estrita, a obsessão terminológica, a paranoia classificatória, o apego à nomenclatura – nada disso serve para formar um bom usuário da língua (...)”. Para exemplificar isso, usa uma metáfora sobre auto-escolas e a formação de um motorista.
Adequação X Aceitabilidade: significa buscar um equilíbrio entre “(...) nos adequar à situação de uso da língua em que nos encontramos (...)” e considerar “(...) o grau de aceitabilidade do que estamos dizendo por parte de nosso interlocutor ou interlocutores.”. 
Outra situação bastante interessante discutida por Marcos Bagno é o “(...) mito ingênuo de que a linguagem humana tem a finalidade de ‘comunicar’, de ‘transmitir ideias’ [...] a linguagem é muitas vezes um poderoso instrumento de ocultação da verdade, de manipulação do outro, de controle, de intimidação, de opressão, de emudecimento.”.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Pacote de Pandora

    Estava fazendo calor lá fora, muito calor. Os carros iam e vinham, quase parados; as calçadas, quase desertas. Muito barulho, muita fumaça, muita gente. Trinta metros acima de tudo isso, sentado numa cadeira giratória, com o prazo de conforto vencido após uma hora e quarenta e sete minutos de uso, estava. Estava e só, ou quase só. Bebia um cafezinho, digitava algumas coisas na máquina à frente, a doença do século corroendo as mãos, e por fim ficava em frente ao ar-condicionado para sentir aquele friozinho de alívio, privando do mesmo o colega de repartição, ou deveria dizer de compartimento...?
  Bom, o importante é que ele estava ali, fazendo isso tudo que está aí em cima. Então, o telefone em frente à sua mesa toca. Ele estica a mão direita, atende, diz três ou quatro monossílabos, nada mais, e desliga. No rosto, antes com uma expressão despreocupada, quase indiferente, havia dois olhos arregalados. Meio disfarçadamente, o homem abre a gaveta, pega um pequeno pacote daquele plástico escuro e fedorento, usado para cobrir cadáveres, envia-o no bolso da calça jeans, não sem antes dar uma olhadela desconfiada para todos os lados possíveis, e se levanta. Pede licença para o chefe, que estava inclinado sobre a mesa da secretária, conversando com a jovem moça, e pega o elevador. Depois de descer os dez andares mais longos de toda a sua vida, chega ao térreo e sai a passos apressados, porém cirurgicamente calculados, para o exterior. Anda cinco ou seis quarteirões, vira em uma ruela lateral, entra num pequeno beco, passa por dois homens com um aceno de cabeça e abre uma porta, suja e suspeita. Em meio à escuridão lá de dentro, o homem abre o pacotinho preto, olha desconfiado para os lados mais uma vez e, sob uma pequena placa de “Permitido fumar”, acende um cigarro.



terça-feira, 22 de março de 2011

Aerogeradores voadores causam destruição na Penálvia

Cerca de 30 aerogeradores localizados na província de Hünsgenulst, na Penálvia, estão causando problemas para a população local, e amedrontam a comunidade internacional.

Segundo autoridades da Comissão para Energias Alternativas da Penálvia (CEAP), os aerogeradores saíram do controle por volta das 3 horas da madrugada desta terça-feira. De acordo com o agricultor Jöfred Meltunston, testemunha ocular do incidente, “depois de uma forte rajada de vento, os cata-ventos gigantes se soltaram do solo e saíram voando, destruindo tudo que viam pela frente”. De acordo com a Associação de Moradores da região, quatro casas foram destruídas pelos aerogeradores rebelados, mas não há informações de feridos nem de mortos.

Para Roger Abdülmansted, vice-presidente da CEAP, os cata-ventos, que continuam num voo incontrolável pelos céus da Penálvia, não representam nenhum perigo. No entanto, Fischoed Mischan, presidente da Agência Internacional de Energias Alternativas (AIEA), afirma que o incidente na Penálvia atingiu o nível 6 numa escala que vai de 1 a 7. O primeiro-ministro da Túrcia, país vizinho para onde os aerogeradores penálvios se dirigem, se diz com “medo pela população túrcia”, e que irá se “retirar do país imediatamente para o bem da nação”.

Um grupo de ativistas se reuniu hoje em frente à embaixada da Penálvia em Vlöstovis, capital da Túrcia, para protestar contra o uso de energias limpas que, segundo eles, “visivelmente põe em risco o bem-estar das populações humanas”.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Entre Homens e Lobos...

     Estava no meio do que parecia ser uma mata. Uma vegetação baixa cobria todo o chão, pontilhado de muitas árvores que lembravam pinheiros, só que mais desorganizadas, mais tortas, mais destrambelhadas, mais mal-encaradas, mais... mais feias. Um rio com quatro ou cinco metros de comprimento corria do seu lado direito. Suas águas eram de um azul claro e encantador, e algumas pedras apareciam aqui e ali, mostrando que o rio não era fundo. Alguns pássaros voavam e piavam bem alto no céu, tão alto que não era possível identificá-los. Uma névoa pairava perto do chão a uns cinquenta metros dali, a partir de onde só era possível avistar as sombras escuras das árvores e da vegetação.   
     Havia uma trilha estreita do mesmo lado do rio onde aquela pessoa estava. A trilha estava praticamente limpa e desobstruída de mato. Começou a segui-la.
     Após aproximadamente meio quilômetro seguindo o rio, a trilha sofria uma bifurcação: num lado continuava seguindo o curso do rio e noutro entrava pela mata, desaparecendo entre os pseudopinheiros. Teve a intuição de que, se seguisse pela mata, teria mais chances de encontrar alguém. Pelo bom estado da trilha, era bem provável que ela fosse de fato usada com frequência, e esse detalhe mantinha seu otimismo num nível bastante satisfatório. Portanto, adentrou na mata.
     Era bem mais fresco lá dentro, e após caminhar o que lhe pareceu uns quatro ou cinco quilômetros, decidiu deitar com as costas apoiadas num daqueles pseudopinheiros e dar um cochilo. Não foi nada difícil, dado o seu cansaço e a temperatura agradável e aparente tranquilidade na mata, e em poucos segundos estava num sono profundo. Longe do correr ruidoso do rio, era mais nítido dali o barulho dos pássaros cantando e, provavelmente, de alguns outros animais andando e conversando ali por perto.
     Alheio a tudo isso, o sol ia percorrendo seu caminho habitual no céu, calmo e sem nenhuma pressa, como que zombando dos pequenos planetas lá embaixo, acanhados e inofensivos. Mas, para a pessoa que naquele momento dormia tranquilamente sob a copa de um pseudopinheiro, o sol teve foi muita pressa naquele dia, porque, quando ela acordou, ele já havia ido embora, deixado-a sozinha ali, apenas com a companhia celestial da nanica da lua e das distantíssimas estrelas.
     A tal pessoa ficou muito brava e nervosa com o que tinha acontecido, como vocês podem imaginar, e culpou a tranquilidade bucólica daquele lugar pelo seu cochilo excessivamente prolongado. Estava muito escuro agora, e a luz refletida pela lua e a emitida pelas estrelas eram fracas demais. Decidiu, portanto, passar o resto da noite acordado (não sentia nenhum sono agora, em parte pelo cochilo longo e em outra parte pelo ódio que sentia daquela floresta calmante), e, quando o sol voltasse, continuaria sua caminhada em busca da civilização.
     Parecia realmente muito monótona a vida naquela floresta. Não surpreendia que a Humanidade houvesse há eras decidido derrubar aquilo tudo e substituir por cidades, superlotadas, sujas e perigosas, mas muito mais divertidas. Nada melhor do que isso. Só não conseguia imaginar como os animais conseguiam suportar toda aquela calmaria, e se perguntou se eles não deviam se sentir entediados, com o tempo. Então formou mentalmente uma imagem que considerou muito engraçada, e riu, só ali no escuro, de uma matilha de lobos, todos com cara de tédio, migrando para um descampado na mata e começando a construir ali casas e prédios, ruas e becos, e até o que parecia ser um pequeno shopping. Logo a cidade crescia, construíam pontes para atravessar o rio e linhas de metrô para atender à grande demanda da população cada vez maior de lobos civilizados. Pareceu-lhe bastante plausível que os animais selvagens fossem mais folgados que os humanos, e que, portanto, não estariam aptos aos esforços necessários para se usufruir dos benefícios e facilidades da vida na cidade. Aí começou a se perguntar por que estava pensando naquilo tudo, já que nunca fora filósofo nem usuário de alucinógenos.
     E assim o tempo passava, lenta e entediantemente, no meio daquele nada cheio de pseudopinheiros, com o silêncio sendo entrecortado apenas pelos semi-delírios, risadas e suspiros confusos da pessoa que protagoniza essa história. Estava ficando a cada minuto mais difícil esperar pelo nascer do sol, e nosso protagonista chegou a desconfiar até mesmo que os animais e o sol mantinham contato regular, e que estavam mancomunados contra ele por tudo o que havia pensado sobre os animais, e por isso o sol estava tão relutante em aparecer no horizonte.
     Agora a pessoa já estava tão cansada que não tinha disposição nem para filosofar sobre a preguiça dos animais selvagens, e achou que seria melhor assim mesmo, já que, se o sol realmente estivesse do lado dos animais, o melhor seria mesmo parar de insultá-los sistematicamente.
     E parece que aquele pensamento mais amigável deu resultado, porque quando menos esperava o sol deu as caras, iluminando com suas inúmeras explosões de hidrogênio toda a mata em que, naquele exato momento, animais eram insultados e um ser humano perdia definitivamente a paciência. Porque segundo depois do nascer do sol e do momento exultante vivido pela pessoa que preenche essas páginas, o improvável acaso de um pássaro aliviar suas necessidades excretoras exatamente sobre a cabeça do único ser humano no raio de algumas centenas de metros aconteceu. Foi aí que essa pessoa perdeu definitivamente a já pouca tolerância que sustentava com certa dificuldade e esforço mental. Xingou de todos os nomes que julgava ofenderem os pássaros em geral, já que não podia determinar com exatidão a espécie autora daquela obra.
     Passado o momento de desabafo, achou que seria melhor começar logo a caminhada. Queria chegar o mais rápido possível à civilização e se livrar logo daquele fedor insuportável de natureza, árvores, animais e excremento de ave.
     Começou a caminhar. Andava o mais rápido que suas pernas cansadas permitiam. A trilha continuava boa, o sol brilhava alto e quente, e as árvores refrescavam. Agora nem pensava mais naqueles estúpidos animais, e certo otimismo, seguido de alívio, percorreram seu corpo quando avistou uma cabana de madeira no topo de uma colina, atravessada na trilha. Era uma cabana bem-feita e bonita, para uma cabana. Por uma pequena chaminé no teto saía uma coluna de fumaça acinzentada que subia até uns oito metros acima do telhado de maneira relativamente agrupada e depois se desfazia, como uma família que tenta dividir a herança.
     Resolveu bater na porta da cabana, que era incrivelmente baixa, não devendo ter mais que um metro e meio de altura. Deduziu que ali deveria morar uma família de anões ou coisa parecida.
     Dentro da cabana reinava quase que um completo silêncio, mas logo após a batida na porta pôde ouvir latidos excitados vindos lá de dentro. Surpreendeu-se com aquilo, mas depois pensou que a família de anões deveria gostar de levar a vida no meio da natureza bem a sério.
     A porta foi aberta. Um lobo desejou-lhe bom-dia e perguntou o que estava fazendo ali. Lá no fundo, uma matilha, reunida em volta de uma mesa, parecia discutir as melhores alternativas à energia elétrica para um funcionamento mais ecofriendly de um shopping center. Depois disso, não se lembrou de mais nada.

domingo, 2 de janeiro de 2011

A Hospedeira, de Stephenie Meyer


Li esse livro com o simples objetivo de fazer uma experiência literária. Ou seja, peguei um livro da Stephenie Meyer que não fosse da saga Crepúsculo para ver se me agradava o estilo dela. Evidentemente, já ouvi várias pessoas falarem bem da série, mas a ideia de vampiros românticos e altruístas sempre me deixou desconfiado. No fim, a minha experiência foi, digamos, variada e quase decepcionante.
Quero dizer, o livro é bem razoável, e proporciona uma leitura agradável. Na verdade, o enredo e a história são excelentes, em certos momentos é tão emocionante que é quase impossível parar de ler. Entretanto, Stephenie Meyer mostra uma certa dificuldade em balancear a linguagem que ela utiliza. Em certos momentos, é tudo bem informal; mas em outros, ela lança mão de palavras e expressões extremamente arcaicas, dignas de livros de séculos atrás, o que não combina bem com a história d'A Hospedeira. Em resumo, é um livro desequilibrado, mas bom para se passar o tempo.
Ou seja, Crepúsculo... agora não.