sexta-feira, 20 de maio de 2011

Pacote de Pandora

    Estava fazendo calor lá fora, muito calor. Os carros iam e vinham, quase parados; as calçadas, quase desertas. Muito barulho, muita fumaça, muita gente. Trinta metros acima de tudo isso, sentado numa cadeira giratória, com o prazo de conforto vencido após uma hora e quarenta e sete minutos de uso, estava. Estava e só, ou quase só. Bebia um cafezinho, digitava algumas coisas na máquina à frente, a doença do século corroendo as mãos, e por fim ficava em frente ao ar-condicionado para sentir aquele friozinho de alívio, privando do mesmo o colega de repartição, ou deveria dizer de compartimento...?
  Bom, o importante é que ele estava ali, fazendo isso tudo que está aí em cima. Então, o telefone em frente à sua mesa toca. Ele estica a mão direita, atende, diz três ou quatro monossílabos, nada mais, e desliga. No rosto, antes com uma expressão despreocupada, quase indiferente, havia dois olhos arregalados. Meio disfarçadamente, o homem abre a gaveta, pega um pequeno pacote daquele plástico escuro e fedorento, usado para cobrir cadáveres, envia-o no bolso da calça jeans, não sem antes dar uma olhadela desconfiada para todos os lados possíveis, e se levanta. Pede licença para o chefe, que estava inclinado sobre a mesa da secretária, conversando com a jovem moça, e pega o elevador. Depois de descer os dez andares mais longos de toda a sua vida, chega ao térreo e sai a passos apressados, porém cirurgicamente calculados, para o exterior. Anda cinco ou seis quarteirões, vira em uma ruela lateral, entra num pequeno beco, passa por dois homens com um aceno de cabeça e abre uma porta, suja e suspeita. Em meio à escuridão lá de dentro, o homem abre o pacotinho preto, olha desconfiado para os lados mais uma vez e, sob uma pequena placa de “Permitido fumar”, acende um cigarro.