sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Entre Homens e Lobos...

     Estava no meio do que parecia ser uma mata. Uma vegetação baixa cobria todo o chão, pontilhado de muitas árvores que lembravam pinheiros, só que mais desorganizadas, mais tortas, mais destrambelhadas, mais mal-encaradas, mais... mais feias. Um rio com quatro ou cinco metros de comprimento corria do seu lado direito. Suas águas eram de um azul claro e encantador, e algumas pedras apareciam aqui e ali, mostrando que o rio não era fundo. Alguns pássaros voavam e piavam bem alto no céu, tão alto que não era possível identificá-los. Uma névoa pairava perto do chão a uns cinquenta metros dali, a partir de onde só era possível avistar as sombras escuras das árvores e da vegetação.   
     Havia uma trilha estreita do mesmo lado do rio onde aquela pessoa estava. A trilha estava praticamente limpa e desobstruída de mato. Começou a segui-la.
     Após aproximadamente meio quilômetro seguindo o rio, a trilha sofria uma bifurcação: num lado continuava seguindo o curso do rio e noutro entrava pela mata, desaparecendo entre os pseudopinheiros. Teve a intuição de que, se seguisse pela mata, teria mais chances de encontrar alguém. Pelo bom estado da trilha, era bem provável que ela fosse de fato usada com frequência, e esse detalhe mantinha seu otimismo num nível bastante satisfatório. Portanto, adentrou na mata.
     Era bem mais fresco lá dentro, e após caminhar o que lhe pareceu uns quatro ou cinco quilômetros, decidiu deitar com as costas apoiadas num daqueles pseudopinheiros e dar um cochilo. Não foi nada difícil, dado o seu cansaço e a temperatura agradável e aparente tranquilidade na mata, e em poucos segundos estava num sono profundo. Longe do correr ruidoso do rio, era mais nítido dali o barulho dos pássaros cantando e, provavelmente, de alguns outros animais andando e conversando ali por perto.
     Alheio a tudo isso, o sol ia percorrendo seu caminho habitual no céu, calmo e sem nenhuma pressa, como que zombando dos pequenos planetas lá embaixo, acanhados e inofensivos. Mas, para a pessoa que naquele momento dormia tranquilamente sob a copa de um pseudopinheiro, o sol teve foi muita pressa naquele dia, porque, quando ela acordou, ele já havia ido embora, deixado-a sozinha ali, apenas com a companhia celestial da nanica da lua e das distantíssimas estrelas.
     A tal pessoa ficou muito brava e nervosa com o que tinha acontecido, como vocês podem imaginar, e culpou a tranquilidade bucólica daquele lugar pelo seu cochilo excessivamente prolongado. Estava muito escuro agora, e a luz refletida pela lua e a emitida pelas estrelas eram fracas demais. Decidiu, portanto, passar o resto da noite acordado (não sentia nenhum sono agora, em parte pelo cochilo longo e em outra parte pelo ódio que sentia daquela floresta calmante), e, quando o sol voltasse, continuaria sua caminhada em busca da civilização.
     Parecia realmente muito monótona a vida naquela floresta. Não surpreendia que a Humanidade houvesse há eras decidido derrubar aquilo tudo e substituir por cidades, superlotadas, sujas e perigosas, mas muito mais divertidas. Nada melhor do que isso. Só não conseguia imaginar como os animais conseguiam suportar toda aquela calmaria, e se perguntou se eles não deviam se sentir entediados, com o tempo. Então formou mentalmente uma imagem que considerou muito engraçada, e riu, só ali no escuro, de uma matilha de lobos, todos com cara de tédio, migrando para um descampado na mata e começando a construir ali casas e prédios, ruas e becos, e até o que parecia ser um pequeno shopping. Logo a cidade crescia, construíam pontes para atravessar o rio e linhas de metrô para atender à grande demanda da população cada vez maior de lobos civilizados. Pareceu-lhe bastante plausível que os animais selvagens fossem mais folgados que os humanos, e que, portanto, não estariam aptos aos esforços necessários para se usufruir dos benefícios e facilidades da vida na cidade. Aí começou a se perguntar por que estava pensando naquilo tudo, já que nunca fora filósofo nem usuário de alucinógenos.
     E assim o tempo passava, lenta e entediantemente, no meio daquele nada cheio de pseudopinheiros, com o silêncio sendo entrecortado apenas pelos semi-delírios, risadas e suspiros confusos da pessoa que protagoniza essa história. Estava ficando a cada minuto mais difícil esperar pelo nascer do sol, e nosso protagonista chegou a desconfiar até mesmo que os animais e o sol mantinham contato regular, e que estavam mancomunados contra ele por tudo o que havia pensado sobre os animais, e por isso o sol estava tão relutante em aparecer no horizonte.
     Agora a pessoa já estava tão cansada que não tinha disposição nem para filosofar sobre a preguiça dos animais selvagens, e achou que seria melhor assim mesmo, já que, se o sol realmente estivesse do lado dos animais, o melhor seria mesmo parar de insultá-los sistematicamente.
     E parece que aquele pensamento mais amigável deu resultado, porque quando menos esperava o sol deu as caras, iluminando com suas inúmeras explosões de hidrogênio toda a mata em que, naquele exato momento, animais eram insultados e um ser humano perdia definitivamente a paciência. Porque segundo depois do nascer do sol e do momento exultante vivido pela pessoa que preenche essas páginas, o improvável acaso de um pássaro aliviar suas necessidades excretoras exatamente sobre a cabeça do único ser humano no raio de algumas centenas de metros aconteceu. Foi aí que essa pessoa perdeu definitivamente a já pouca tolerância que sustentava com certa dificuldade e esforço mental. Xingou de todos os nomes que julgava ofenderem os pássaros em geral, já que não podia determinar com exatidão a espécie autora daquela obra.
     Passado o momento de desabafo, achou que seria melhor começar logo a caminhada. Queria chegar o mais rápido possível à civilização e se livrar logo daquele fedor insuportável de natureza, árvores, animais e excremento de ave.
     Começou a caminhar. Andava o mais rápido que suas pernas cansadas permitiam. A trilha continuava boa, o sol brilhava alto e quente, e as árvores refrescavam. Agora nem pensava mais naqueles estúpidos animais, e certo otimismo, seguido de alívio, percorreram seu corpo quando avistou uma cabana de madeira no topo de uma colina, atravessada na trilha. Era uma cabana bem-feita e bonita, para uma cabana. Por uma pequena chaminé no teto saía uma coluna de fumaça acinzentada que subia até uns oito metros acima do telhado de maneira relativamente agrupada e depois se desfazia, como uma família que tenta dividir a herança.
     Resolveu bater na porta da cabana, que era incrivelmente baixa, não devendo ter mais que um metro e meio de altura. Deduziu que ali deveria morar uma família de anões ou coisa parecida.
     Dentro da cabana reinava quase que um completo silêncio, mas logo após a batida na porta pôde ouvir latidos excitados vindos lá de dentro. Surpreendeu-se com aquilo, mas depois pensou que a família de anões deveria gostar de levar a vida no meio da natureza bem a sério.
     A porta foi aberta. Um lobo desejou-lhe bom-dia e perguntou o que estava fazendo ali. Lá no fundo, uma matilha, reunida em volta de uma mesa, parecia discutir as melhores alternativas à energia elétrica para um funcionamento mais ecofriendly de um shopping center. Depois disso, não se lembrou de mais nada.

domingo, 2 de janeiro de 2011

A Hospedeira, de Stephenie Meyer


Li esse livro com o simples objetivo de fazer uma experiência literária. Ou seja, peguei um livro da Stephenie Meyer que não fosse da saga Crepúsculo para ver se me agradava o estilo dela. Evidentemente, já ouvi várias pessoas falarem bem da série, mas a ideia de vampiros românticos e altruístas sempre me deixou desconfiado. No fim, a minha experiência foi, digamos, variada e quase decepcionante.
Quero dizer, o livro é bem razoável, e proporciona uma leitura agradável. Na verdade, o enredo e a história são excelentes, em certos momentos é tão emocionante que é quase impossível parar de ler. Entretanto, Stephenie Meyer mostra uma certa dificuldade em balancear a linguagem que ela utiliza. Em certos momentos, é tudo bem informal; mas em outros, ela lança mão de palavras e expressões extremamente arcaicas, dignas de livros de séculos atrás, o que não combina bem com a história d'A Hospedeira. Em resumo, é um livro desequilibrado, mas bom para se passar o tempo.
Ou seja, Crepúsculo... agora não.