Falava
através de uma grade. Do outro lado, alguém estava encolhido num canto, quase
imóvel, mas grunhindo de dor, talvez até chorando. Parecia ignorar a pessoa lá
fora, reduzido egocentricamente ao seu sofrimento. Mesmo assim, o liberto
insistia, tentando convencê-lo, tentando dobrar suas convicções, sua teimosia cega.
Apesar de, muitas vezes, os mais cegos serem também os mais sábios.
A pessoa continuava a gemer. A outra
continuava a falar:
_Você tem que parar com essa
história louca... Essa tal rebelião de que você fala não existe! Admita isso
logo, ou vou ter que falar que você ficou louco. Antes um hospício que essa
cela horrível!
Um murmúrio próximo dos limites da
audição veio do canto onde o homem estava deitado. O engravatado fora da cela
teve que se inclinar em direção ao som para conseguir entendê-lo. Um som cheio
de pesar, mágoa e algo próximo da tristeza.
_Você sabe que é verdade, Aldo. Você
sabe, você também viu o que eu vi! – Estava quase gritando agora.
_Eu não sei do que você está falando.
E se você não tirar essa ideia da sua cabeça logo, vai apodrecer aí dentro.
_Você não pode negar que não viu...
eu não estou louco, você sabe disso. Por que você nega ter visto o que viu? –
sussurrou o encarcerado, com um ar sombrio.
_Eu nego, e estou aqui fora. Você
admite, e está aí dentro. A diferença é simples. Só estou sendo pragmático.
_Você está mentindo, é essa a
diferença.
_E estou aqui fora. – replicou o
engravatado, com um simulacro de risada quase sádica. – Outra diferença.
Um muxoxo de irritação veio do outro
lado da sala. De nada adiantaria declarar aquilo sozinho, por conta própria,
sem apoio. Facilitava a perseguição. Pior: facilitava a manipulação. As pessoas
lá fora realmente estavam em polvorosa, lia-se em todos os jornais, via-se em
todas as televisões, falava-se em todas as esquinas e fofocava-se em todos os
bares. Mas não exatamente sobre o que ele queria: falavam que Haroldo Murev era
um louco, dos grandes. Era o que o governo queria que pensassem; era isso que
pensavam. Por enquanto.
Não tinha um plano. Suas costas
doíam. Sua cabeça estava a ponto de estourar. Estava com fome; aparentemente
era essa a intenção dos carcereiros. Há dois dias não traziam comida. Havia uma
bacia de água no outro canto, de procedência bastante duvidosa. Arriscava-se
apenas a beber quanto não agüentava mais. Morrer de diarreia seria realmente
trágico, humilhante e levemente sem graça.
Estava refletindo sobre tudo isso
quando o engravatado recomeçou a falar. Ele ainda estava ali, discreto, invisível,
sem ser incomodado.
_Olha, essa é a sua última chance:
você vai continuar a insistir nessa ideia de rebelião ou vai continuar aí
dentro pelo resto da sua vida?
_Não há rebelião nenhuma. Eu admito.
Estava bêbado quando falei aquilo.
FIM DA PARTE 1
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