quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

A Rebelião dos Ratos - Parte 1


Falava através de uma grade. Do outro lado, alguém estava encolhido num canto, quase imóvel, mas grunhindo de dor, talvez até chorando. Parecia ignorar a pessoa lá fora, reduzido egocentricamente ao seu sofrimento. Mesmo assim, o liberto insistia, tentando convencê-lo, tentando dobrar suas convicções, sua teimosia cega. Apesar de, muitas vezes, os mais cegos serem também os mais sábios.  
            A pessoa continuava a gemer. A outra continuava a falar:
            _Você tem que parar com essa história louca... Essa tal rebelião de que você fala não existe! Admita isso logo, ou vou ter que falar que você ficou louco. Antes um hospício que essa cela horrível!
            Um murmúrio próximo dos limites da audição veio do canto onde o homem estava deitado. O engravatado fora da cela teve que se inclinar em direção ao som para conseguir entendê-lo. Um som cheio de pesar, mágoa e algo próximo da tristeza.
            _Você sabe que é verdade, Aldo. Você sabe, você também viu o que eu vi! – Estava quase gritando agora.
            _Eu não sei do que você está falando. E se você não tirar essa ideia da sua cabeça logo, vai apodrecer aí dentro.
            _Você não pode negar que não viu... eu não estou louco, você sabe disso. Por que você nega ter visto o que viu? – sussurrou o encarcerado, com um ar sombrio.
            _Eu nego, e estou aqui fora. Você admite, e está aí dentro. A diferença é simples. Só estou sendo pragmático.
            _Você está mentindo, é essa a diferença.
            _E estou aqui fora. – replicou o engravatado, com um simulacro de risada quase sádica. – Outra diferença.
            Um muxoxo de irritação veio do outro lado da sala. De nada adiantaria declarar aquilo sozinho, por conta própria, sem apoio. Facilitava a perseguição. Pior: facilitava a manipulação. As pessoas lá fora realmente estavam em polvorosa, lia-se em todos os jornais, via-se em todas as televisões, falava-se em todas as esquinas e fofocava-se em todos os bares. Mas não exatamente sobre o que ele queria: falavam que Haroldo Murev era um louco, dos grandes. Era o que o governo queria que pensassem; era isso que pensavam. Por enquanto.
            Não tinha um plano. Suas costas doíam. Sua cabeça estava a ponto de estourar. Estava com fome; aparentemente era essa a intenção dos carcereiros. Há dois dias não traziam comida. Havia uma bacia de água no outro canto, de procedência bastante duvidosa. Arriscava-se apenas a beber quanto não agüentava mais. Morrer de diarreia seria realmente trágico, humilhante e levemente sem graça.
            Estava refletindo sobre tudo isso quando o engravatado recomeçou a falar. Ele ainda estava ali, discreto, invisível, sem ser incomodado.
            _Olha, essa é a sua última chance: você vai continuar a insistir nessa ideia de rebelião ou vai continuar aí dentro pelo resto da sua vida?
            _Não há rebelião nenhuma. Eu admito. Estava bêbado quando falei aquilo. 

FIM DA PARTE 1

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