quinta-feira, 5 de julho de 2012

Uma velha tradição


          

            _ E aí?
            _ E aí o quê?
            _ Já decidiu?
            _ Ainda não...
            _ Seja rápido, Júlio. Esta é uma das decisões mais importantes que temos que tomar nesta década, provavelmente...
            _ Sei, sei... Por isso mesmo estou me demorando tanto. Você não imagina, as complicações...
            _ Eu sei muito bem das complicações, Júlio. Talvez até melhor do que você, se me permite. Eu já estive lá embaixo, sei como é... É por isso que temos que fazer isso da maneira mais rápida e silenciosa possível, com o mínimo de alarde.
            _ Eu sei...
            _ Então? Quando vai tomar uma atitude?
            _ Não sei...
            _ Outras pessoas podem começar a chiar... Outras pessoas que pensam como nós... e algumas delas são poderosas...
            _ Isso é verdade... nós precisamos do dinheiro, mas também precisamos das massas. E as massas não vão gostar nada disso...
            _ Isso é certo.
            _ Afinal de contas, o que você acha? Continua com aquela mesma opinião de sempre?
            _ Óbvio. Pra mim isso é tudo muito claro. Não vejo o porquê de manter essa tradição boba e infantil.
            _ Concordo. Mas e as pessoas? Elas gostam de uma boa e velha tradição boba e infantil de vez em quando... pra distrair a mente, sabe?
            _ Sei... E também sei como distrair a mente das pessoas é importante para nós.
            _ Exato! Acabar com isso, de supetão assim... as pessoas inevitavelmente vão perceber. A economia, as escolas, as fábricas... tudo isso seria afetado.
            _ Pois é... mas é patético continuar com isso. Fico indignado... Como as pessoas podem insistir nessa bobagem, depois de tantos anos?
            _ É patético mesmo...
            _ Quero dizer... existe algum mérito pessoal em ser expelido de um útero?
            _ Exato... Nunca entendi o que as pessoas têm a comemorar...
            _ E isso numa época em que a capacidade de tomar decisões por conta própria ainda não foi desenvolvida... Quando você é um recém-nascido!
            _ Eu não, eu nunca comemorei essa besteira.
            _ Você me entendeu...
            _ Entendi, só estava brincando...
            _ Beleza então... mas o assunto é sério aqui.
            _ Eu sei. Alguma ideia? Precisamos ser práticos.
            _ Bom, eu estive pensando... Definitivamente não podemos continuar com essa babaquice, certo?
            _ Certo.
            _ Mas precisamos de algo pra distrair as pessoas, certo?
            _ Certo.
            _ E no nascimento, qual é o principal agente, aquele que mais sofre e mais se esforça?
            _ O obstetra... certo?
            _ Não, César, errado! É a mãe, César, a mãe!
            _ Ah, sim, entendi! Aquilo deve doer mesmo... Certo?
            _ Certo. Então, o que você acha de decretar que o aniversário não será do filho, mas da mãe?
            _ Genial! Só que... e se a mulher tiver mais de um filho? Ela vai comemorar o aniversário mais de uma vez por ano?
            _ Nada mais merecido, não acha? Tamanho esforço, e ainda dobrado, triplicado, quadruplicado!
            _ Verdade... e se a mulher tiver gêmeos? Trigêmeos? Óctuplos?
            _ Ela vai merecer uma festa ainda maior. Além de muita sorte e paciência...
            _ Certo, certo... gostei da sua ideia... Só tem um porém ainda... Não acha que os homens vão se rebelar? Quero dizer, eles jamais poderão comemorar um aniversário, poderiam se voltar contra nós...
            _ Ora, se eles fazem tanta questão, é só fazer uma daquelas cirurgias...
            _ Pois é, são de graça, eles não têm do que reclamar! Somos muito bons pra esse povo mesmo...
            _ Queria ver o que Freud diria agora... as mulheres não possuem pênis, os homens não têm aniversários...
            _ Nada mais irônico...
            _ Quer dizer que você se decidiu, então?
            _ Acho que sim... Amanhã de manhã mando expedir uma portaria tratando disso...
            _ Fico feliz, Júlio. Está gostando?
            _ Agora nas minhas costas, perto do ombro esquerdo, isso... Você é impagável, César... Impagável...

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