quinta-feira, 20 de maio de 2010

A mansão, a paranoia e o dinheiro - Parte III


Agora, retornemos ao convite do meu tio Fildo Bronco para passar alguns dias com ele e ficar de olho no criado Marcos Borba. A princípio gaguejei um pouco, pensei no mofo, nos quadros, na herança, no criado, na herança, no meu tio, no meu pai, na herança... e finalmente disse que sim.

_Sábia decisão, Davi! Você pode ficar em uma das suítes do terceiro andar, que tem uma vista arrebatadora do vale! Eu lhe prometo que você será muito bem-tratado enquanto permanecer hospedado aqui na minha casa.

Dito isto, voltei à minha casa no centro do vilarejo para pegar algumas roupas e objetos pessoais suficientes para que eu me mantivesse durante alguns dias na mansão do Tio Bronco, apesar de já ser quase meia-noite. Quando finalmente regressei à propriedade, já eram quase três horas da manhã, e nenhum dos agora quatro criados estava acordado. Resolvi ir silenciosamente até o terceiro andar e escolher uma das suítes. Sabia, de memória, que meu tio morava no quarto do fim do corredor, com uma ótima vista frontal do vale. Assim sendo, resolvi escolher o primeiro quarto da esquerda, que ficava imediatamente antes de uma sala repleta de quadros que Fildo Bronco comprara em leilões ao redor do Brasil, e alguns até mesmo em suas viagens pela Europa e América do Sul.

O quarto que escolhi até que estava em bom estado. A colcha não cheirava a mofo, como no resto da casa, e as portas que davam para a varanda com vista para uma parte do vale estavam abertas, deixando entrar um ar frio que na mesma hora congelou as minhas espinhas, em combinação com a aparência sobrenatural do aposento. O papel de parede era vermelho-sangue, com alguns detalhes em amarelo-ouro, talvez simbolizando poder. Os dois criados-mudos eram idênticos, de mogno bege escuro, com pernas elegantemente curvas. Fechei as portas da varanda. A lua lançava longas sombras no quarto, e vez ou outra um morcego passava em alta velocidade raspando nas postas de vidro da varanda. Incomodado, fechei a cortina e adormeci quase imediatamente.

Parecia que havia me deitado há dez minutos quando uma voz que não pude reconhecer em meio à minha sonolência disse:

_Acorde, Sr. Davi, o Sr. Bronco já o está esperando na biblioteca.

Apesar do sono e do cansaço em virtude das viagens da noite anterior, me levantei, com as mesmas roupas em que estivera vestido, e achei de bom grado trocar-me. Desci as escadas quase correndo, e cheguei à biblioteca meio ofegante, dizendo:

_Bom dia, Tio Fildo!

_Bom dia, Davi. Está bem disposto hoje?

_Hoje e sempre, por quê?

_Tenho uma tarefa especial para você. E é preciso tomar bastante cuidado. Mas, antes, não há nada melhor do que um revigorante café-da-manhã - disse ele, balançando vigorosamente a enorme pança, reflexo de sua bela fortuna.

Dito isto, fomos a uma pequena, mas charmosa sala, bem ao lado da cozinha, onde meu tio costumava fazer as refeições matinais. Logo que nos sentamos à mesa, fomos recepcionados pela cozinheira, uma mulher baixa e bastante gorda, que andava com dificuldade. Ela era Maria Guilhermina, empregada de Fildo Bronco há mais de vinte anos e, suspeita-se, uma ex-amante (apesar de ele nunca ter sido casado). Era sorridente e calorosa, e logo voltou carregando com as mãos rechonchudas uma enorme travessa com ovos mexidos, café, leite e o que jamais poderia faltar, uma dúzia de pães-de-queijo.

A refeição fez-se em silêncio, na qual se ouvia apenas barulho de mastigadas e engolidas. Assim que acabamos, retornamos à biblioteca e voltamos a falar sobre as suspeitas do meu tio, e a tarefa que ele me incumbiria.

_Bom, Davi, não quero me alongar muito sobre o assunto, por isso vou sem rodeios. Eu quero que você se aproxime do Borba, torne-se amigo dele, ganhe a confiança dele. Assim, ficará mais fácil que você descubra alguma novidade. É uma estratégia mais demorada, tudo bem, mas eu preciso muito que você faça isso que eu estou lhe pedindo. Alguma dúvida? – perguntou, num tom estranhamente calmo e didático.

Gaguejei um pouco, mas não pestanejei:

_Claro, entendi tudo, tio. Pode contar comigo. Começo hoje mesmo a ganhar a confiança do criado.

_Ótimo – disse ele, abrindo um largo sorriso e estendendo os braços num sinal de agradecimento ou, quem sabe, otimismo demasiado.

Meu tio se levantou da enorme cadeira em que estava sentado, e eu fiz o mesmo. Fomos andando lado a lado, quase fraternalmente. Fildo Bronco falava muito, sobre a estação, sobre a natureza e sobre as dificuldades em manter uma propriedade tão grande. Chegando aos amplos jardins, pudemos ver um belíssimo dia de sol e céu azul se insinuando sobre nós. Vinda de um lago nas proximidades, tão cristalino quanto água pura, uma silhueta feminina andava calmamente sobre a grama verde e bem aparada, com uma cesta de palha nas mãos. Era Cecília, a mais jovens dos quatro empregados e empregadas, e tinha mais ou menos a minha idade, um pouco mais nova, talvez. Seus rosto era angelical e puro, e seus cabelos claros brilhavam à luz do sol. Aproximando-se de nós, fez um cumprimento com a cabeça e continuou andando até a entrada da mansão. Meu tio comentou, com bondade:

_Bela moça essa. Bela e muito boa, não há dúvida.

Passamos o resto do dia andando pela propriedade, falando sobre os velhos tempos, quando meus pais ainda me levavam àquele lugar, e admirando a bela e bucólica paisagem que nos cercava por todos os lados.

Quando o sol já se encontrava bem alto no céu, voltamos para o interior da mansão a fim de almoçar. No entanto, enquanto o meu tio se dirigia para a sala de refeições, que ficava no segundo andar, decidi procurar por Marcos Borba. Segundo o tio Bronco, ele deveria estar ali mesmo no primeiro andar, ou na cozinha ou no seu pequeno quarto de empregado esperando as ordens.

Primeiro fui à cozinha, onde encontrei Maria Guilhermina preparando o almoço (meu tio sempre ordenava que o almoço começasse a ser feito às onze e meia da manhã). Mas não encontrei nenhum Fildo Bronco por lá. Para não despertar suspeitas, apenas cumprimentei Maria e fui, discretamente, ao quarto de empregado do meu futuro grande amigo. Encontrei-o por lá. Ele estava exatamente como meu tio havia descrito, debruçado sobre algumas folhas de papel e escrevendo freneticamente em uma delas. Quando me viu, imediatamente escondeu o maço na gaveta da escrivaninha e me cumprimentou, atrapalhado:

_Oi, oi Seu Davi, como vai? Alguma ordem do Sr. Bronco para agora?

_Não, Marcos, eu não vim aqui para isso. Só queria conhecer melhor você.

Os olhos de Marcos se arregalaram numa expressão de surpresa, e ele se atrapalhou novamente:

_Claro, Seu Davi, mas como o senhor gostaria de fazer isso?

_Conversando com você, Marcos, é claro. – respondi, tentando afetar a máxima tranquilidade possível. – Eu sinceramente não concordo com esse distanciamento que existe entre patrões e empregados. Sabia que na faculdade eu participei de um grupo que defendia a integração das classes mais pobres na sociedade? – Mentira. Eu nem havia feito faculdade.

_Sério, Seu Davi? Mas que coisa boa! Eu jamais imaginaria isso do senhor. – Agora ele já ameaçava alguns sorrisos.

_Pois é, Marcos. E já pode começar me chamando de Davi apenas. Sem senhor.

E assim foi por duas semanas. Conversei bastante com Davi, e conheci a sua história. Vou aqui resumir esta história e os meus diálogos, pois não quero me alongar nessa parte do conto.

Nenhum comentário: