quinta-feira, 20 de maio de 2010

A mansão, a paranoia e o dinheiro - Parte IV


Marcos Borba tinha quarenta e dois anos, trabalhava com meu tio havia nove. Era nascido numa cidade muito pobre do Vale do Jequitinhonha, e com dezoito anos foi tentar a vida em Belo Horizonte, onde teve muitos empregos e pouco sucesso. Apenas quinze anos depois, ele conheceu meu tio num hotel em que trabalhava como ascensorista. Fildo Bronco se afeiçoou por ele e trouxe-o para o Sul do estado. Segundo Borba, meu tio era como um pai para ele, já que o verdadeiro o havia abandonado quando o criado tinha apenas dois anos e meio.

Confesso que, apesar da minha aversão inicial, acabei gostando do Marcos Borba, que parecia ser mais uma pessoa nessa vida que adora castigar os mais frágeis e desprotegidos. Até hoje não sei se chegamos a ser verdadeiros amigos ou não. Mas vamos direto ao assunto, pois não tenho paciência para tantos detalhes.

As semanas passavam e nada acontecia. A cada dia, meu tio parecia ficar mais irritado e impaciente, e me confessava que estava morrendo de medo, pois quanto mais tempo se passava, mais perto chegava o dia da execução do tal plano do Marcos Borba. Entretanto,

Tudo aconteceu numa manhã fria no início de Junho. Eu acordei como de praxe, às sete da manhã, me vesti e fui procurar Marcos para dar-lhe um bom-dia. Não o encontrei na cozinha, onde costumava acompanhar a preparação do café da manhã com Maria Guilhermina, que me disse não o ter visto naquele dia. Exatamente quando me virava para sair da cozinha, trombei com o enorme corpanzil do meu tio, que vinha correndo ao longo do corredor. Seu rosto estava bastante suado, talvez pela corridinha pouco comum em sua rotina, talvez pelo nervosismo, talvez pelos dois motivos. Os olhos cinzentos de Fildo Bronco estavam arregalados, seus lábios tremiam ferozmente e seus cabelos grisalhos estavam tremendamente desgrenhados. Eu perguntei a ele, já contaminado por aquela preocupação:

_O que aconteceu, tio?

_Aconteceu uma coisa terrível, Davi! Terrível! – disse ele com uma voz vacilante. – Acabei de receber uma carta do banco que cuida dos meus bens dizendo que tudo havia sido transferido para uma outra pessoa! Aconteceu o que eu tanto temia, Davi! O Marcos Borba roubou todos os meus bens! Por que você não descobriu os planos desse criado desgraçado, Davi?! Mas que droga... – Todas as forças do meu tio pareciam ter-se extinguido, e ele ajoelhou-se no chão, com as mãos cobrindo a face, tremendo sob a força de um choro copioso. Ele não era nada sem o dinheiro dele. Absolutamente nada.

Esperamos com impaciência a ordem de despejo, pois, por incrível que pareça, meu tio queria encarar Marcos Borba por uma última vez que fosse. Confesso que aquela foi uma situação bastante desagradável e deprimente para mim, porque àquele momento já não tinha nada a ganhar com a companhia de meu tio. Apesar de todas as desgraças já parecessem ter sido anunciadas, quando se aproximava a hora do almoço, eis que surge Marcos Borba na biblioteca-escritório de Fildo Bronco. Vi os olhos do meu tio se arregalarem de ferocidade, e, como que com um esforço final, ele se lançou violentamente contra o criado, gritando:

_Seu canalha, traidor, vagabundo! Eu te dei casa, comida, um ótimo salário! E você me trai! – Porém, o que mais me surpreendeu não foi isso, mas a expressão de completo atordoamento do criado, que aparentava não estar entendendo aquela situação. Ele disse, gaguejando:

_D-do que é q-que o s-senhor est-tá falando?

_Pare de fingir, seu cínico! Você sabe muito bem do que eu estou falando! Você roubou toda a minha fortuna, já estava planejando isso há meses!

_Eu sinceramente não sei do que o senhor está falando, seu Bronco...

Comecei a pensar o que faria Marcos Borba a continuar negando o estelionato quando já tinha tudo em mãos... com a cabeça mais fria que a do meu tio, tentei acalmá-lo, e puxei-o a um canto, e cochichei:

_Quem sabe ele não está falando a verdade, tio? Talvez não seja ele o ladrão da sua fortuna... Por que ele continuaria a negar o crime agora que tudo já está pronto?

As pupilas do meu tio se contraíram, bem como todas as rugas do seu rosto, e ele parecia estar mais calmo, e também mais pensativo?

_Então quem?... – voltou a virar-se para Marcos Borba, e declarou:

_Confesso que errei, Borba. Confesso que errei culpando-o sem provas concretas, desde aquele dia em que te encontrei escrevendo em plena madrugada no seu quarto de empregado. Confesso que errei pondo o meu sobrinho em sua espreita, tentando descobrir o seu pla... – meu tio nunca terminou de pronunciar a palavra “plano”. Isso porque Marcos começou a gritar, comigo, em especial:

_O quê? Isso quer dizer que esse vagabundo filho da mãe só se aproximou de mim à pedido do senhor e dos seus preconceitos? – ele olhou bem no meio dos meus olhos, e urrou com uma fúria que eu não imaginava ouvir em sua voz mansa de criado, - Você não passa de mais um elitista preconceituoso e materialista com o qual eu trombo na minha vida, Davi! Aproximou-se de mim por puro interesse! Dissimulado! – e com essas palavras, deu as costas e correu para o seu quarto. Ouvia barulho de roupas e malas sendo arrastadas... e meu orgulho não me permitiu aproximar de Marcos...

_Então quem roubou os meus bens, Davi? Quem? – esse era o único interesse do meu tio.

Nesse momento, ouvimos alguém tocar a campainha da porta. Fildo Bronco foi abri-la, apressado como nunca. Era o funcionário do banco que cuidava da (ex) fortuna do meu tio. Ele queria assegurar que a transição seria feita de maneira tranquila e rápida, e não dava a mínima para o que teria levado o meu tio a passar todos os seus bens de uma maneira tão súbita. Sequer ouvia os gritos de protesto do meu tio, carregado por um grandalhão armado, vigia da empresa. Até que tivemos o maior susto de todas as nossas vidas: atrás do funcionário do banco, do vigia armado, de todas as outras pessoas que compõem esta cena, estava, vestido num finíssimo terno com risca de giz, calçando sapatos dos mais caros, e com o queixo lá encima, ninguém menos que o criado novo do meu tio, cujo nome eu nem sabia.

_Então é você! – esbravejou meu tio, sendo mais uma vez contido pelo segurança grandalhão. – E eu pensando em deixar você no lugar do Borba... meu Deus, como a vida é cruel!

Quando passou próximo ao meu tio, o traidor sussurrou próximo ao ouvido dele algo que eu não consegui ouvir. Fildo Bronco finalmente desistiu de gritar, esbravejar, e brandir os punhos grossos em protesto, e o criado (que mais tarde descobri que se chamava Orlando Borges) entrou pela enorme porta de folha dupla da mansão.

Segundos depois, quase simultaneamente, Borba passou pela porta, mas desta vez na direção contrária. Parou quando Orlando Borges, o mais novo milionário do Brasil, chamou-o novamente:

_Ei, Marcos! Não quer trabalhar aqui comigo?

Marcos deu apenas uma olhadela furtiva e ríspida em mim, se virou para Orlando e disse:

_Com todo prazer, Sr. Orlando!

Meu tio havia perdido sua fortuna. Eu, a fortuna e um amigo.

Um comentário:

Papéis ONline disse...

quero te convidar para conhecer e participar do projeto Papéis de Circunstâncias
http://papeisonline.blogspot.com/

grande abraços