_ E aí?
_ E aí o
quê?
_ Já
decidiu?
_ Ainda
não...
_ Seja
rápido, Júlio. Esta é uma das decisões mais importantes que temos que tomar
nesta década, provavelmente...
_ Sei,
sei... Por isso mesmo estou me demorando tanto. Você não imagina, as
complicações...
_ Eu sei
muito bem das complicações, Júlio. Talvez até melhor do que você, se me
permite. Eu já estive lá embaixo, sei como é... É por isso que temos que fazer
isso da maneira mais rápida e silenciosa possível, com o mínimo de alarde.
_ Eu sei...
_ Então?
Quando vai tomar uma atitude?
_ Não sei...
_ Outras
pessoas podem começar a chiar... Outras pessoas que pensam como nós... e
algumas delas são poderosas...
_ Isso é
verdade... nós precisamos do dinheiro, mas também precisamos das massas. E as
massas não vão gostar nada disso...
_ Isso é
certo.
_ Afinal de
contas, o que você acha? Continua com
aquela mesma opinião de sempre?
_ Óbvio. Pra
mim isso é tudo muito claro. Não vejo o porquê de manter essa tradição boba e
infantil.
_ Concordo.
Mas e as pessoas? Elas gostam de uma boa e velha tradição boba e infantil de
vez em quando... pra distrair a mente, sabe?
_ Sei... E
também sei como distrair a mente das pessoas é importante para nós.
_ Exato!
Acabar com isso, de supetão assim... as pessoas inevitavelmente vão perceber. A
economia, as escolas, as fábricas... tudo isso seria afetado.
_ Pois é...
mas é patético continuar com isso. Fico indignado... Como as pessoas podem insistir
nessa bobagem, depois de tantos anos?
_ É patético
mesmo...
_ Quero
dizer... existe algum mérito pessoal em ser expelido de um útero?
_ Exato...
Nunca entendi o que as pessoas têm a comemorar...
_ E isso
numa época em que a capacidade de tomar decisões por conta própria ainda não foi
desenvolvida... Quando você é um recém-nascido!
_ Eu não, eu
nunca comemorei essa besteira.
_ Você me
entendeu...
_ Entendi,
só estava brincando...
_ Beleza
então... mas o assunto é sério aqui.
_ Eu sei. Alguma
ideia? Precisamos ser práticos.
_ Bom, eu estive
pensando... Definitivamente não podemos continuar com essa babaquice, certo?
_ Certo.
_ Mas
precisamos de algo pra distrair as pessoas, certo?
_ Certo.
_ E no
nascimento, qual é o principal agente, aquele que mais sofre e mais se esforça?
_ O obstetra...
certo?
_ Não,
César, errado! É a mãe, César, a mãe!
_ Ah, sim,
entendi! Aquilo deve doer mesmo... Certo?
_ Certo.
Então, o que você acha de decretar que o aniversário não será do filho, mas da
mãe?
_ Genial! Só
que... e se a mulher tiver mais de um filho? Ela vai comemorar o aniversário
mais de uma vez por ano?
_ Nada mais
merecido, não acha? Tamanho esforço, e ainda dobrado, triplicado,
quadruplicado!
_ Verdade...
e se a mulher tiver gêmeos? Trigêmeos? Óctuplos?
_ Ela vai merecer
uma festa ainda maior. Além de muita sorte e paciência...
_ Certo, certo... gostei da sua
ideia... Só tem um porém ainda... Não acha que os homens vão se rebelar? Quero
dizer, eles jamais poderão comemorar um aniversário, poderiam se voltar contra
nós...
_ Ora, se
eles fazem tanta questão, é só fazer uma daquelas cirurgias...
_ Pois é,
são de graça, eles não têm do que reclamar! Somos muito bons pra esse povo
mesmo...
_ Queria ver
o que Freud diria agora... as mulheres não possuem pênis, os homens não têm aniversários...
_ Nada mais
irônico...
_ Quer dizer
que você se decidiu, então?
_ Acho que
sim... Amanhã de manhã mando expedir uma portaria tratando disso...
_ Fico
feliz, Júlio. Está gostando?
_ Agora nas
minhas costas, perto do ombro esquerdo, isso... Você é impagável, César... Impagável...